30.10.11

Salve, Jorge!

Das coisas em que trabalho atualmente, uma que me dá muita, mas muita alegria mesmo é um vídeo-documentário sobre a obra do escultor Jorge dos Anjos. Bancado por nós dois (minha mãe dizia: "Quem quer, faz. Quem não quer, manda ou pede"), o novo trampo, tal como o videopoema abaixo, traz uma conversa - com e sem palavras - entre dois amigos que, desde 1988, admiram-se e apoiam-se mutuamente, confirmam-se como irmãos de fé e, sobretudo, riem muito a cada vez que se falam ao telefone ou de corpo presente. Salve, Jorge! PS(1): O texto que escrevi para o catálogo da mostra A ferro e fogo, em 2009, quando o vídeo homônimo foi exibido pela primeira vez, pode ser lido aqui. PS(2): O poema e a voz que o diz, no vídeo de 2009, são do próprio Jorge.

28.10.11

OBRACABADA

Numa encruzilhada de Madri, Ricardo Aleixo & Marcelo Sahea, integrantes do recém-criado grupo OBRACABADA – aqui, num frame de uma das muitos videoperformances que realizaram por lá. Do cardápio das aprontações intersígnicas do grupo, que será lançado oficialmente no dia 7 de dezembro, via web, fazem parte os seguintes tópicos: poesia falada cantada gritada sussurada cantofalada + arte sonora + arte vestual + cinema de poesia + música extrema + radiovideoarte + performance + artemídia + macumba para dadafrofuturistas + intervenção urbana + design gráfico + agricultura celeste + desobediência + resistência ativa +

26.10.11

Podia ter sido um desastre, mas: PESADO DEMAIS PARA A VENTANIA



Minha apresentação em Madri, no último sábado, dentro da programação do festival 2011 poetas por km2, foi precedida pela do poeta e performer português Fernando Aguiar. Conhecemo-nos em Diamantina, há 5 anos, quando participamos do Festival de Inverno da UFMG. Não nos tornamos amigos ao longo desses anos, mas fiquei contente ao revê-lo em Madri. Conversamos brevemente sobre issos e aquilos – aí incluída a ordem das nossas apresentações no palco: cada um pensava que seria o primeiro a performar.

Em geral, tal questão só me ocupa a cabeça por exigir diferentes tipos de resposta a problemas de ordem técnica, uma vez que, em termos estéticos, e mesmo quanto às solicitações do ego, pouco se me dá saber quem vem antes ou depois de mim. Apesar de, assumidamente, preferir as situações em que performarei num espaço em que não haverá nenhuma outra apresentação – nem antes nem depois, para evitar a nefasta correria –, vi como um saudável desafio a necessidade de montar e desmontar tudo em escassos minutos (10 em média, para cada etapa), eu que costumo gastar, só na montagem, cerca de três horas.

Eu estava tranquilo também porque já havia tido alguns contatos – por escrito e pessoalmente, assim que cheguei a Madri -, com o coordenador técnico do festival, o gente-boa-toda-vida Jorge Alvarez, que baila comigo (vide o vídeo, alguns posts abaixo) numa improvisação vocal que fiz com base no meu poema “Linhas”. Daí o sentimento de paz a que aludi num dos posts que disparei no sábado à tarde, algumas horas antes de subir ao palco: além de ter feito uma magnífica sessão de pruebas de sonidos + vídeo + luz, alterei significamente o roteiro no quarto do hotel, devido à impossibilidade de renderizar a tempo os novos vídeos em que vim trabalhando nas semanas que precederam a viagem, os quais apresentavam as versões em espanhol de poemas meus vertidos por Adolfo Montejo Navas, Cristian de Napoli, Fernando Pérez e Teresa Arijón.

Decidi usar os dois projetores para mostrar vídeos que criei para utilização em outras performances, concentrei-me na tarefa mais delicada do dia: interferir no lindo livro que Mariana Botelho criou especialmente para a estreia da performance Pesado demais para a ventania, grafando com caneta preta, ao lado dos poemas em português, suas versões na língua/lengua de Lorca.

Detesto admitir que fui capaz de erro tão primário, mas por já ter visto Fernando Aguiar em cena eu deveria ter perguntado a ele – que de fato me precederia no palco – se constaria de seu roteiro a série de “sonetos-ações” que o vi executar em Diamantina. Foi, assim, com total surpresa, já no limite com a estupefação, que vi o performer português quebrar copos de cristal e pratos de louça no mesmo palco em que, daí a poucos minutos, eu teria que performar.

Do roteiro que concebi inicialmente fazia parte uma longa e lenta sequencia de movimentos com o poemanto. No chão. Cair, rolar de um lado a outro, passar em passos diminutos à frente do projetor, tornar a cair e a rolar pelo chão, girar sobre meu próprio eixo e de novo cair e rolar e me levantar e voltar a cair o quanto me desse na veneta.

Marcelo Sahea, a meu lado, ficou logo tenso com o que víamos, antevendo o desastre que se desenhava, o que me permitiu lançar mão de uma calma tão intensa que pensei, naquele momento único, no sentido profundo da palavra paz que eu afirmara sentir horas atrás. Esperei que limpassem o chão do palco, enquanto reorganizava mentalmente o passo a passo da performance e entre em cena disposto a atuar como se nada, nenhum problema existisse naquele momento.

Consegui, creio, evitar mal maior, mas levei um bom tempo até entender que Sahea tinha razão ao me cumprimentar efusivamente, no final, certo de que eu fizera uma boa performance ("emocionante, foi o que ele disse). Concordo com ele porque finalmente entendi o que fiz: tive que juntar ao “saber fazer” o “saber ser” – demanda dupla que, no dizer de um dos pais fundadores das poéticas da voz, o suíço Paul Zumthor (1915-1995), define o aqui agora irrepetível da performance. Em Madri, na noite de 22 de outubro, diante de dezenas de pessoas para as quais o português-brasileiro soa como iorubá arcaiaco, me vi obrigado a, em pouquíssimo tempo, para citar uma bela cantiga antiga de Gilberto Gil, “aprender a só ser”.

8.10.11

Um presente do mestre Nei Lopes

FINA POÉTICA EM CAPA DURA

(quasipoema oito meses depois)


Fora de sacanagem!

A frase introdutora

De eu molecote

Me chega na entrega

Dos dois postais pacotes:

Um, Salgado Maranhão

O outro um Ricardo Aleixo.


Que doce

É esse salgado

Sem sombra de emaranhado.

Que absoluto nexo

É esse recado

Que liga o léxico

E o contexto se[ro]mântico

De cada um desses

Dois pacotes convites ao convescote

A mim e ao meu [con]texto?

Mineiro o emaranhado


Me disponho

Sem tentar decifrar

O que me traz essa mensagem

Postal

Contexto duplo

Gêmeo, mabaço:

Ibeji brinca

e reconduz meu passo.


Sem sacanagem:

Sábado, 25 de setembro

Assino, recebo, referendo

Dois livraços abraços

Aleixo, o salobro

Que pesca o peixe

E o mostra no anzol paterno.

E o doce Salgado

Que abole o emaranhado branco

Quase eterno

Da escrita.


Salgado

Negro olímpico!

Aleixo escrita zero máquina!

A poesia batia de novo

Em dose dupla

De leve

No meu fígado

No meu sábado.

Fina poética negra em capa dura.

Vinte e cinco de setembro

Quase Ibêji.

3.10.11

Em resenha inédita, Ângelo Oswaldo fala sobre "Modelos vivos"

A poesia de Ricardo Aleixo

Ângelo Oswaldo*

Em “Modelos Vivos”, Ricardo Aleixo reúne um conjunto significativo de poemas, depois de largo momento voltado para outras formas de expressão poética, tais como performances, vídeos e canções. É um belo livro. Oferece destacada programação visual dirigida pelo autor, sendo enriquecido pela diversidade da produção que enfeixa.

Com a publicação, o poeta registra os seus cinquent’anos, não em celebração jubilar, mas para reiterar o compromisso do primeiro olhar, o desejo de querer ver, por sobre a visão deficiente, algo que valha a pena, para além da falta de perspectivas que percebe como tônica do nosso tempo.

Ricardo Aleixo vem de 1960 e é poeta que sintetiza, de modo original e referente, as inquietações, as rupturas e as angústias que convulsionaram o mundo neste meio século de transformações. Sua obra atinge pontos sempre mais altos. Se a visão está afetada, como a de Camões & Bob Creeley & Joan Brossa, ele enxerga aquilo que só o poeta vê e a poesia alcança, por cima do glaucomatoso de Glauco & Borges, numa respiração. São poderosas as suas antenas, e é com elas que se faz o poeta, segundo Ezra Pound. Como o anjo de um poema do livro, o poeta aprende a se ver pelo avesso.

As palavras “são peles de silêncios habitáveis”. Ricardo Aleixo as veste, no seu “poemanto”, qual um parangolé de Hélio Oiticica (obra para vestir) ou como passos de Merce Cunningham (obra para dançar) ou o rito dos Eguns (obra para reviver). A palavra é viva e é vivida pelo poeta, que a escreve-inscreve com seu corpo e com ela o cobre, volatiza o andar, sonoriza o espaço, toca o tempo. O “poemanto” é imantação da poesia no corpo do poeta.

Nessa corpografia, ao pé da letra de Artur Bispo do Rosário, “andando em círculos” (porque “estamos mesmo é andando em círculos”), o poeta usa o seu manto como o toureiro a capa, em passos encadeados como numa fuga, ou o agita num batuque, revira-o em volteio de volutas em altares barrocos, ginga-o na reviravolta da capoeira ou mergulha na constelação de Mallarmé, soltando as palavras no espaço para reinventar o poema ao acaso de cada lance de corpo.

Inovadora e inventiva, instigante e incisiva, a poesia de Ricardo Aleixo apresenta uma linguagem própria, que não se restringe ou se reduz. É sempre múltipla e entregue a pesquisas sobre novas possibilidades. No final do poema que dá o título do livro, está a questão: “...Pergunto-me, como se perguntava Heinrich/ Kleist sobre os manipuladores de marionetes que tanto// encantavam o amigo a quem devia o despertar do interesse/ pelos mistérios daquela arte de rua, se os passantes-// pagantes conhecem os mecanismos que movem os modelos/ vivos; se possuem pelo menos uma ideia do belo na dança”. Têm, da mesma forma, os leitores que passam pelas livrarias alguma ideia do valor da obra de Ricardo Aleixo? É preciso urgência no conhecimento de um modelo vivo do poeta do nosso tempo.

* Crítico de arte, escritor e prefeito de Ouro Preto