27.4.11

Dois poemas de Mariana Botelho


toma

esgota tua menina


até que não reste uma fibra

no ventre ardendo em brasa


no corpo a se apagar na treva


dois vaga lumes no pote

e o silêncio dos retratos


bebe


*


matinal



mapear os trigais da

pele


saber-lhe o cheiro de

terra o intenso

sabor de

chuva


colher com discreta

violência o primeiro

silêncio do

dia

23.4.11

No dia de São Jorge Ogum, um oriki inédito, que me serve de escudo e lança quando a barra pesa

O Senhor Ogum



Que é de um

que diga um A

quando rompe

o Senhor Ogum

no meio do breu

da longa estrada

sem ninguém

nem nada

que o detenha

entre o começo

e o sem fim

da sua

caminhada?

20.4.11

Sem lei nem rei


O rapaz de camiseta vermelha é o Chico de Paula. Meu amigo. Poeta. Músico. Performador. Artista visual. Co-curador da ZIP. Pai da Carmen e do Felipe – que chegou faz poucos dias a este mundo grande sem porteira. Chico é um homem porteira (no sentido de limiar, não no de porta, limite), para lembrar importante reflexão do mestre Muniz Sodré sobre as culturas africanas – que tanto fascinam o meu amigo batizado com nome de santo católico. Chico é um abridor de caminhos. Um que briga pelo que considera justo. Um militante da alegria, da invenção e da resistência ativa. Um sujeito raro, eis o que é o Chico de Paula. Pessoalmente, sou grato a ele, entre outras coisas, por me ajudar a compreender o “país distante e amigo” (Paulo Mendes Campos) das Minas Gerais de um ponto de vista mais aberto e generoso do que, sozinho, eu seria capaz estabelecer. Hoje o Chico faz aniversário – e, como tudo mais que se mete a fazer, faz ele muito bem. Vai ter festa, como é que não haveria de ter? No Teatro da Biblioteca Pública Estadual Luiz de Bessa, na Praça da Liberdade, às 20h. E eu vou, claro, festar com ele: de beca branca e chapéu panamá. Um monte de gente bacana também vai, conforme se lê no cartaz abaixo. A entrada é risonha e franca. Viva o Chico de Paula! Viva! Vivô!


17.4.11

Poesia para a infantaria


A julgar pelo que rolou ontem à tarde no encerramento da ZIP, é besteira dizer que "ninguém gosta de poesia". O entusiasmo com que a petizada recebia cada poema que ouvia deixava o coração da gente quase saindo pela boca de tanto contentamento.

Nosso camaradinho Francisco K (ou Kaq) foi um que se deu muito bem com a infantaria. Donde se conclui que ninguém gosta é de poesia chata e sem vida. De poesia & não há quem não goste. Até breve!

15.4.11

Hoje e amanhã na ZIP



Já começando a pedir a conta e a saideira, segue o nosso (meu, do Bruno Brum, do Chico de Paula e da Sabrina Bueno) agradecimento a todo mundo que contribuiu para que a ZIP fosse o que foi, seja o que é e o que será. Nosso cartazete, infelizmente, não conta as promessas de felicidade contidas nos nomes que abrilhantarão a noite de hoje: o arquiteto-artista múltiplo João Diniz lança livro e diz poemas; o inclassificável - e imprescindível - Marcelo Kreiser convida a cantriz Andrea Dario para performar com ele; Marcelo Dolabela apresenta seu Simbolismo cut-up; Waldemar Euzébio homenageia o saudoso Adão Ventura; os integrantes do grupo Aquífero Poético mostram suas novas criações. PS(1): quem aparecer por lá não deixe de se inscrever para ver se leva para casa um dos dos (muitos e bons) livros que reservamos para sortear entre os convivas. PS(2): Na programação de sábado, que devolverá os curadores à condição de poetas, uma ilustríssima presença já confirmada: a do meu querido amigo e interlocutor Francisco K (ou Kaq), um "histórico" da ZIP - pernambucano radicado em Brasília -, já entrevistado por mim aqui neste jaguadártico antro. PS(3): A poeta Gláucia Machado registrou suas impressões sobre a ZIP - com ênfase no encontro com a pessoa e a arte de Beatriz Magalhães, joia rara das Alterosas (na foto abaixo, Manuel Andrade sonorizando a gravura gigante de Beatriz).

11.4.11

Nossa produtora executiva


Quando ela chega a gente sente que já não falta mais ninguém. Embora, verdade seja dita, ela seja sempre a primeira a chegar. E a última a sair. Um belo dia a produtora Sabrina Bueno, que já foi anjo da guarda de ninguém menos que a enormíssima Elza Soares me encontrou no Facebook e disse que queria nos ajudar com a ZIP.

Interessado em entender o significado da palavra "ajudar" no idioma dela, convidei-a para vir ao LIRA prosear e já nos tornamos amigos de infância – apesar das duas décadas de vida que nos separam. Sabrina é competente, calma, informada, atenta a tudo, gentil, discreta, simpática (além de bonita, mas isso não é atributo profissional que se deva destacar assim sem mais, ou é?) etc etc. etc.

Com toda sinceridade, não sei o que seria da ZIP se ela não fosse como é. Ainda por cima, a moça fotografa muito bem. Na antevéspera do meu embarque para o Rio, onde eu participaria da abertura da mostra Poética expositiva, convidei-a para uma experiência que a deixaria com os nervos à flor da pele: filmar minha performance Emaranhado samba, para projeção numa das paredes externas das cavalariças do Parque Lage.

Ela só teria que acompanhar, com a câmera, o percurso que eu faria do chão até o ponto mais alto da escada – bamba –, para retirar da parede o bololô de linhas multicoloridas batizadas por mim como Samba(s) e, em seguida, depois de girar em torno do meu próprio eixo e de cobrir meu rosto – sob o chapéu panamá – com um pedaço de voil, voltar à escada para, inteiramente às cegas, tentar repor a peça na parede.

Para mim foi tranquilo, mas Sabrina estava em pânico, como pude constatar assim que terminei a performance. No Parque Lage, a quem quer que me cumprimentasse pelo vídeo eu falava, orgulhoso, das duas ou três coisas que sei sobre a minha nova amiga e parceira artística. Tal como Álvaro Andrade Garcia, autor da foto acima, Sabrina Bueno firma, no meu coração, a certeza de que ainda podemos reverter – nós, os que cremos na beleza, na vida conversável e na resistência ativa – o resultado da dura batalha que travamos todos os dias contra a mercancia.



10.4.11

O raro Álvaro



Aqui, tendo ao fundo um dos lindos estandartes que o artista plástico Antônio Sérgio Moreira distribuiu pelo saguão do Teatro Francisco Nunes, na ZIP de 2006, eu converso com o poeta Álvaro Andrade Garcia, um dos pioneiros da poesia/arte eletrônica no Brasil [foto de Glenio Campregher]. Dos meus amigos, Álvaro talvez seja aquele que eu vejo com menor frequência, mas tenho-o sempre presente, quando penso em alguém para quem o conhecimento profundo e especializado de um tema não se torna, nunca, pretexto para a arrogância e o pedantismo, como é tão comum no meio artístico-cultural brasileiro.

Nesta semana em que começamos a nos preparar para o encerramento da primeira ZIP de 2011, peço licença ao Chico de Paula, ao Bruno Brum, à nossa querida produtora Sabrina Bueno – e a todas as demais pessoas que ajudaram a colocar o evento de pé – para declarar que tenho na figura única de Álvaro Andrade Garcia uma das imagens definidoras do que representa, para mim, hoje, a Zona de Invenç˜ao Poesia &.

Declaro e justifico. Não bastasse ter assumido o desafio de trazer da temporada de poesia & esbórnia que passou numa praia em Santa Catarina junto com seus parceiros do grupo Aquífero Poético – semanas antes de começar a ZIP – o extraordinário livro eletrônico que tem encantado a toda a gente, Álvaro ainda nos emprestou o monitor com tela de touch screen necessária à fruição da bela obra cuja elaboração coordenou com mãos de mestre-inventor. Seu gesto nos ensina que o verdadeiro sentido da palavra compartilhamento é determinado, antes e acima de tudo, pelo senso de pertença ao mundo que se quer transformar. Álvaro é raro.


8.4.11

Na cidade do mais belo horizonte

A performance-palestra com Gil Amâncio e dois de seus filhos, Tatu Guerra e Gabriela Guerra. A performance de Beatriz Magalhães e um dos filhos dela, Manuel Andrade – que ainda trará a amiga (dele e minha) Vanessa de Michelis. Gláucia Machado e Luciana Tonelli, que voltam à Belorizonte natal (GM, hoje, mora em João Pessoa; LT, em São Paulo) para lançarem seus novos livros – respectivamente, Mundo torto e Flagrantes do tempo: Poema-reportagem na Paulicéia e – para participarem da sessão de leitura que contará, também, com Mariana Botelho, da novíssima safra de poetas em Minas. Renato Negrão e sua performance Concerto para o erro. Os poemas e fragmentos de textos em prosa com que nos brindarão seis dos oito integrantes do PROJETO EULIPÔ (Antônio Barreto, Caio Junqueira Maciel, Luís Giffoni, Maurício Meirelles, Rodrigo Leste e Sérgio Fantini). As composições, o canto e o violão de Marcelo Marques, que vem, direto de Maceió, para animar – ainda mais – a festa imodesta em que a ZIP se tornou. Mais 5 (numero que pode subir, como na semana passada) livros que serão sorteados. Conversas que se estenderão pela noite adentro da “cidade do mais belo horizonte”, como dizia um locutor de rádio do meu tempo de menino. Tudo isso mais as mostras permanentes, a instalação audiovisual e o que sei eu. Você vai lá, não vai?

4.4.11

A invenç˜ao da ZIP

Me emociono sempre que penso na ZIP: era para ser (só poderia ser) um ajuntamento de poetas e obras que nos permitissem ocupar as dependências da Grande Galeria do Centro Cultural UFMG, atendendo a convite de sua diretora, a poeta e ensaísta Sônia Queiroz. Porque não havia tempo para desenhar uma proposta mais consequente e porque – mais uma vez – não disporíamos de recursos financeiros para viabilizar o trabalho. Mas os deuses foram propícios e a ZIP tornou-se um grande acontecimento poético-politico (porque de “autoria” coletiva).

Entre a loucura que seria aceitar o desafio de montar um evento de grandes proporções sem contar, para isso, com qualquer recurso financeiro, e a simples recusa de tal opção, decidimos seguir, como nos ensinou Paulo Leminski, "pelo caminho mais difícil". E o milagre se fez. Alguns dos mais de 100 amigos-poetas/artistas que toparam participar sem nada receberem ainda nos ajudaram a resolver certos impasses do projeto expográfico. Um projeto, diga-se, feito às pressas, com base exclusivamente na experiência dos curadores e no exercício de imaginação a que nos entregamos para tentar entender de o modo mais prático e funcional de dispor as obras sem saber, muitas vezes, se poderíamos contar com a infraestrutura mínima demandada para o seu pleno funcionamento.

Fique claro que não faço, aqui, qualquer crítica ao Centro Cultural UFMG, que, colocando-se como parceiro, e não como mero hospedeiro, tentou e tenta suprir, dentro das suas possibilidades, as necessidades do nosso projeto. A ZIP, ao mesmo tempo que evidencia certas carências estruturais do Centro – como, por exemplo, seu pequeno orçamento e a falta de pessoal especializado –, permite-nos a constatação do que é possível fazer quando se opera com criatividade, abertura dialógica e concessão de autonomia aos funcionários (mesmo aos estagiários) da Casa.

A quem ainda não teve oportunidade de visitar as mostras permanentes, nem de participar de uma das animadas sessões de sexta-feira à noite, quando ocorrem as leituras, performances, lançamentos de livros (e o já esperado sorteio de livros e revistas), sugiro que se programe e vá, pronto(a) para se admirar com a extrema riqueza da poesia brasileira contemporânea. Na melhor das hipóteses, sairá de lá com alguns bons argumentos para questionar a gritante ausência do poder público no esforço coletivo dos poetas para se fazerem ouvir nesta época em que, paradoxalmente, mandarins da cultura brasileira oficial se juntam para defender a tão singela quanto milionária premissa de que “o mundo precisa de poesia”.

2.4.11

Ontem à noite na ZIP



No monitor, Tião Nunes e Zé Maria Cançado em debate na ZIP 2005

Detalhe da "Feira de Inutensílios", com uma das letras do "Alfabeto Fantome",
de Guilherme Mansur, ao fundo

Leo Gonçalves performando sua eletrizante Poemacumba, tendo ao fundo a bela instalação Comida de Santo (feita com hóstias) de Michelle Campos

Benjamin Abras e seu impressionante jogo corpORAL

As três graças: Mônica de Aquino, Ana Elisa Ribeiro e Ana Martins Marques



Humor sutil e precisão corpográfica na performance de Bernardo Amorim

Francesco Napoli autografa seu árvore em v