26.3.09

Dica




















Serenamente apartado das querelas e quilizas do quintal literário, o escritor e ensaísta Luiz Alberto Brandão segue dizendo a que veio, com seu novo livro, Chuva de letras, que será lançado no próximo sábado, dia 28, a partir das 11h, no Café com Letras. Clique aqui quem quiser obter informações sobre o livro.

24.3.09

WHITE POWER









Carta ao Papa* 


O Confessionário não é você, oh Papa, somos nós; entenda-nos e que os católicos nos entendam.

Em nome da Pátria, em nome da Família, você promove a venda das almas, a livre trituração dos corpos.

Temos, entre nós e nossas almas, suficientes caminhos para percorrer, suficientes distâncias para que neles se interponham os seus sacerdotes e esse amontoado de doutrinas afoitas das quais se nutrem todos os castrados do liberalismo mundial.

Teu Deus católico e cristão que, como todos os demais deuses, concebeu todo o mal:

1°. Você o enfiou no bolso.

2°. Nada temos a fazer com teus cânones, índex, pecado, confessionário, padralhada, nós pensamos em outra guerra, guerra contra você, Papa, cachorro.

Aqui o espírito se confessa para o espírito.

De ponta a ponta do teu carnaval romano, o que triunfa é o ódio sobre as verdades imediatas da alma, sobre essas chamas que chegam a consumir o espírito. Não existem deus, Bíblia, Evangelho; não existem palavras que possam deter o espírito.

Nós não estamos no mundo; ó Papa confinado no mundo; nem a terra nem Deus falam de você.

O mundo é o abismo da alma, Papa caquético, Papa alheio à alma; deixe-nos nadar em nossos corpos, deixe nossas almas, não precisamos do teu facão de claridades.




[
*] De autoria do francês Antonin Artaud, este petardo antipapista (publicado pela primeira vez em
La Révolution Surréaliste, de 1925, e traduzido para o português pelo poeta Claudio Willer) vem a calhar neste momento em que o Vaticano dá, mundo afora, novas e alarmantes demonstrações de sua inabalável força destrutiva. Ou vocês ainda não sabem que Bento 16 teve a pachorra de, durante missa para 1 milhão de pessoas em Angola (“Folha de S. Paulo” de ontem, 23/03), investir contra o que ele chamou de “etnocentrismo e particularismo excessivos” dos africanos? De acordo com o papa, o “tribalismo” seria, junto com “a guerra e as rivalidades entre diferentes etnias", o responsável "pela pobreza e pela injustiça social na África". 

Durma-se com um barulho desses: o Vaticano, há séculos, impõe seus dogmas em todos os quadrantes do mundo, faz tabula rasa da razão e dos princípios básicos do humanismo, apóia ditaduras sanguinárias, silencia diante de tragédias como a devastação do meio ambiente, retoma a prática da excomunhão, condena a camisinha como forma de combate à proliferação da Aids (Bento 16 bateu de novo nessa tecla anteontem, em Luanda) e os africanos é que são ”etnocêntricos”? 

Eu, que fui comedor de hóstia na infância, e que serei eternamente grato por ter encontrado, no início dos anos 80, na ala da igreja denominada Teologia da Libertação, a dimensão dialógica a partir da qual pude dar forma e substância ao meu projeto pessoal de participação política – naquele tempo histórico específico –, só posso, diante de um criminoso como o poderoso chefão dos católicos, transformar em refrão um fragmento da carta de Antonin Artaud: “Papa, Cachorro”.

15.3.09

EU POR MIM MESMO

Há cerca de dois anos respondi, com já não sei qual intenção, o Questionário Proust. Versões diferentes do famoso questionário circulam na internet, mas decidi não esquentar a moringa procurando descobrir qual é a certa. Nada é muito certo.

Qual é o defeito que você mais deplora nas outras pessoas? 
A improdutividade, que é prima-irmã da auto-comiseração. Que é, por seu turno, íntima da inveja e da maledicência. 

Como gostaria de morrer? 
De uma vez. 

Qual é seu estado mental mais comum? 
Ativo. Excessivamente ativo. 

Qual é o seu personagem de ficção preferido? 
Ricardo Aleixo. Trata-se de um personagem por vezes um tanto confuso, aberto demais às possibilidades de desvio, sempre pronto a me convencer de que habitamos uma ficção, como diz Paul Auster. 

Qual é ou foi sua maior extravagância? 
Tentar, há três décadas, trabalhar só com o que gosto. 

Qual é a pessoa viva que mais despreza? 
Não desprezo ninguém. Explicito minhas diferenças, combato, elimino do meu círculo de convívio, mudo de canal, viro a página, peço a conta, mas não desprezo. 

Qual é a pessoa viva que mais admira? 
Digo duas: Iris, minha mãe, e Augusto de Campos, o poeta. 

Se depois de morto tivesse de voltar, em que pessoa ou coisa retornaria? 
Não consta dos meus planos uma vida depois desta, mas, caso eu não tenha escolha, acho que faz sentido que eu volte como pedra. A menor delas. A mais silenciosa.  

Em quais ocasiões costuma mentir? 
Ao responder questionários, por exemplo. 

Qual é sua ideia de felicidade perfeita? 
Saber que ainda não acabei de nascer. E que posso continuar a nascer ao escrever um poema, ao cantar, ao fazer sexo, ao receber um amigo. 

Qual é seu maior medo? 
Deixar que o medo prevaleça sobre a vontade. 

Qual é seu maior ressentimento? 
Nenhum. 

Que talento desejaria ter? 
O de conhecer vários idiomas. 

Qual é seu passatempo favorito? 
A ideia de fazer passar o tempo me soa como grego arcaico. Prefiro vivê-lo. 

Se pudesse, o que mudaria em sua família? 
Nada. Não gostaria de correr o risco de conhecer a perfeição tão de perto. 

Qual é a manifestação mais abjeta de miséria? 
A auto-comiseração. 

Onde desejaria viver? 
Numa Belo Horizonte que encarnasse no dia a dia a promessa contida em seu nome. 

Qual a virtude mais exagerada socialmente? 
A sinceridade. Por ela nos vemos, quase sempre, com um passe-livre para a crueldade. 

Qual a qualidade que mais admira num ser humano? 
A disposição para tentar de novo, quantas vezes for necessário. 

Quando e onde você foi mais feliz?
Que dia é hoje? Onde estamos?

Dica

Marcelo Terça-Nada pede para chamar todo mundo para conferir o lançamento da coleção Circuitos Compartilhados.

13.3.09

MILTON SANTOS dixit



















"A verdade é que deveria haver também festas para exaltar as derrotas, os empeços, os obstáculos que fazem parte da vida de quem trabalha e nem sempre são devidamente levados em conta. A realidade, porém, é que o homem que pensa - e por isso mesmo freqüentemente se encontra isolado no seu pensar -deve saber que os chamados empeços, os chamados obstáculos, as chamadas derrotas são a única rota para possíveis vitórias. As ideias, se são genuínas, triunfam unicamente depois de um caminho espinhoso." 

8.3.09

DONNA HARAWAY

um dia
eu sentei
a mãe natureza
no colo

quando o lance
ia fluindo
mão aqui
língua acolá
o prazer
dando sem dó
na cara da culpa
a mama natura me diz
à queima-roupa
totalmente na dela
com aquela voz
sexy
que só ela:

ricardo
filhinho
larga
dessa conversa
de retorno
a pindorama

patriarcado matriarcado
é tudo vice-versa
é tudo igual
só muda a forma
da coisa entre as coxas
de quem manda

e completou
para minha surpresa:
eu mesma já cansei
de ser tratada como deusa
mãe primitiva
fêmea primeva

eu prefiro ser
uma ciborgue
corpo elétrico eletrônico
mutante
sem nexo
nem sexo definido

uma metamorfose ambulante


                ricardo aleixo/1999

5.3.09

O espírito sopra onde quer











Barrosinho, maravilhoso trumpetista, um dos criadores da lendária Banda Black Rio, foi improvisar no astral. Ontem de madrugada. Ele tinha 65 anos. Curioso: anteontem ouvi com grande alegria o CD O sopro do espírito (2001), que você baixa aqui, se quiser. E ainda leva, de quebra, um ótimo texto de Ed Motta sobre o grande músico. Valeu, Barrosinho!

4.3.09

Nojo























Não se trata de montagem, você que vê, nesta foto, livros do (e sobre o) presidente dos EUA, Barack Obama - além da biografia de sua mulher, Michelle -, dispostos em torno de um volume sobre macacos numa vitrine de livraria. Trata-se da vitrine da tradicional Barnes & Noble, em sua filial de Coral Gables, Flórida, em foto clicada na semana passada. Não tive tempo para conferir a repercussão do fato na imprensa internacional, mas, aqui no Brasil, o silêncio foi estrondoso. Como sempre. O etnólogo e escritor cubano Carlos Moore, em mensagem enviada a intelectuais envolvidos com a luta anti-racismo em todo o mundo, propõe boicote à livraria. Eu, que já não proponho coisa alguma nesta época de surdez funcional, apenas contenho a ânsia de vômito e volto aos meus afazeres.








CONVICEVERSA


















O poeta, designer gráfico e performer Marcelo Sahea, que está em Belo Horizonte para uma apresentação no projeto "Oi Cabeça", promovido pelo Oi Futuro, participará hoje, das 18h às 20h, na Fumec (no estúdio de gravação da disciplina design sonoro da faculdade), da primeira edição do projeto Conviceversa, criado por mim com o objetivo de registrar em vídeo depoimentos de artistas de diversas áreas que usam o som como interface em seus projetos. Marcelo Sahea, a meu ouver, é um dos mais talentosos dentre os (poucos) poetas brasileiros que se apropriam de forma livre, não reativa e não ressentida do repertório sonoro e plástico-visual das vanguardas do século XX. Seu trabalho até aqui dá mostras de que o que está por vir ajudará a definir melhor um contexto - o da performance poética - que, infelizmente, ainda é marcado no Brasil pelo tripé improvisação (no sentido fraco do termo) + falta de conhecimento teórico-prático + oportunismo. Saravá, Sahea!