29.8.10

Belorizonte, Belzonte, Bolorrizonte, Velhorizonte

Por email, alguém – mais um alguém – me pede para falar algo sobre a literatura mineira, e eu só consigo replicar, com gentileza que, bem sei, pode ser tomada como chacota, que “Minas são muitas etc.” Meu desafiante, digo, interlocutor resolve deixar por menos. Que eu fale, então, sobre a “produção literária na Belo Horizonte contemporânea”. Enquanto penso numa forma de escapar da pergunta sem conquistar mais um desafeto, abro a antologia Belo Horizonte – A cidade Escrita, organizada por Wander Melo Miranda, em 1996, e leio um pequeno texto de Ivan Ângelo – “Começam a dispersar-se os artistas da nova geração”, publicado no Diário da Tarde, em 27 de abril de 1960. Nessa data, minha mãe, Íris, que me esperava para setembro, completou 42 anos. Me emociono com a coincidência e pouso o olhar no seguinte trecho do artigo, com sua doída atualidade: “Há na província uma reação invisível contra a atividade intelectual, algo que vai aos poucos roendo os sonhos do artista. A província não opõe nada ao ato criador, não há um choque, uma guerra, um combate honesto. É areia movediça que vai enterrando aos poucos. Se ao menos houvesse luta. Mas não. O que há é um simples absorver, um indiferente desconhecimento da atividade artística, um silêncio, uma incapacidade de julgamento, uma falta de vivência da coisa arte, uma falta de interesse, de estímulo, de ambiente, de crítica, de gosto, de público. O artista na província é uma figura quixotesca pronta para a luta, mas encontra o campo vazio. Sua figura é até ridícula, quando não grotesca. Nada se opõe a ele. Pode fazer o que quiser, provocar ou acomodar-se, ninguém nota. Ou, se nota, é migalha demasiado insignificante para sua fome de realização.”

26.8.10

Minha linha

Finalizado em meio ao trabalho de luto pelas mortes dos meus pais e pelo fim do meu casamento – desde janeiro deste ano vivo sozinho na casa que agora abriga o LIRA –, Modelos vivos resultou, graças aos deuses, como expressão daquela alegria a que só podem ter acesso os que descem ao fundo mais fundo do poço.

Por isso o colorido da capa, que dialoga com a lírica reproduzida abaixo (em breve vocês poderão conhecer também a música correspondente), escrita em 2008: “Minha linha” tornou-se para mim, na fase mais aguda da crise, uma espécie de mantra, ou melhor, de ponto cantado pessoal.

Para ser totalmente fiel aos fatos, devo confessar que a inspiração para a capa do Modelos vivos – vinda do emaranhado de linhas de diversas cores que pende de uma das paredes da minha casa-laboratório – é anterior à decisão de incluir no livro esta “letra de música”. Acho que funcionou.

PS: Que as pessoas que gostam de mim não se preocupem, por favor. O que tinha de ser, foi. Como tinha de ser. O que estiver para chegar, que chegue. Como tiver de ser. Quando for a hora.


Minha linha



Que o dono da fala

nunca

permita que eu saia

da linha

a linha que

quanto mais torta

mais posso dizer

que é a minha


Sempre fui

meu próprio mestre

e é sem tristeza

que conto

que ainda não aprendi

nada

não me considero

pronto


Em matéria

tão complexa

quanto a arte

de entortar

a linha

que nem a morte

há de um dia

endireitar

21.8.10

50 ANOS EM 5 DÉCADAS

Agora vai: Modelos vivos sai da gráfica nos próximos dias, diretamente para as bem fornidas estantes da Crisálida Livraria e Editora, no edifício Maleta – e, esperamos, para as de outras boas casas do ramo de qualquer parte do Brasil. O lançamento será no dia 11 de setembro, sábado, a partir das 11h, na livraria Café com Letras (rua Antônio de Albuquerque, 781, Savassi). Na terça-feira, dia 14, às 19h30, no mesmo local, comemoro meus 50 anos, apresento a leitura-concerto* Música para modelos vivos movidos a moedas e abro uma pequena mostra de poemas visuais extraídos do livro.

Para completar a semana “50 anos em 5 décadas”, no dia 17, sexta, às 18h30, na Biblioteca da Faculdade de Letras da UFMG, a convite da professora, poeta e ensaísta Vera Casa Nova, inauguro a mostra de poemas gráficos Improvisuais, apresento a performance homônima e, claro, aproveito a chance de conquistar, entre os estudantes, alguns possíveis leitores para a minha talvez-poesia. Em tempo: a capa do livro – na verdade, todo o projeto gráfico – é fruto de uma parceria minha com o talentosíssimo poeta, designer e editor Bruno Brum. A ele e ao Oséias Ferraz, proprietário da Crisálida, meu muito obrigado: sem os dois, meu Modelos vivos ainda seria, a esta altura, apenas um projeto de livro.

* É domingo, 12h24: acabei de falar ao telefone com um querido amigo, o guitarrista, violonista clássico, violeiro e arranjador Alvimar Liberato, e ele manda dizer que tocará comigo na noite do dia 14. Desde 1984, quando nos conhecemos, Alvimar é, para mim, simplesmente um outro nome para... música. É isso.



4.8.10

Domeneck

Desde Berlim (ou Berlimbo, conforme o astral do dia), onde vive, o poeta Ricardo Domeneck faz o que pode para inserir alguma nova visada crítica no ambiente da poesia brasileira. Vide o novo vídeo que ele acaba de produzir, The poor poet (after Carl Spitzweig). Para que tenham a dimensão exata da – sensacional – proeza de Domeneck, reproduzo a tela de Siptzweg que o poeta afirma ter “encenado”.


1.8.10

O resto é só terra e céu


Depois de 15 dias longe, na rota Cambridge/Londres, nossa Iná voltou para casa ontem à tarde: cheia de razão, com o inglês ainda mais afiado e já fazendo planos para novas viagens. Como Lisboa foi o primeiro – e o último – lugar da Europa pisado por ela nessa sua estreia internacional, trago para a festa um legítimo Pessoa:


Viajar! Perder países!

Ser outro constantemente,

Por a alma não ter raízes

De viver de ver somente!


Não pertencer nem a mim!

Ir em frente, ir a seguir

A ausência de ter um fim,

E a ânsia de o conseguir!


Viajar assim é viagem.

Mas faço-o sem ter de meu

Mais que o sonho da passagem.

O resto é só terra e céu.