Recebi anteontem pelo correio um pacote enorme, pesado, com alguns livros que me foram enviados pelo meu mano Edimilson de Almeida Pereira, poeta e antropólogo, sabedor de tudo o que diz respeito aos desdobramentos estético-culturais da travessia do Atlântico Negro. Folheei-os rapidamente, atraído pelo maior de todos, com seu titulo chamativo e elegante, Um tigre na floresta de signos – poesia e demandas sociais no Brasil. Trata-se, para dizer pouco, do mais alentado projeto já desenvolvido no país em torno da produção textual dos negros brasileiros na contemporaneidade. Dos cantopoemas sagrados do candombe, do candomblé e do congado aos experimentos visuais e às performances, do texto engajado de poetas ligados à militância anti-racismo ao inconformismo cantofalado dos rappers, nada escapou aos estudiosos convocados por Edimilson para a elaboração dos ensaios que se distribuem pelas 752 páginas do livro.
Depois de algumas poucas horas entretido com a leitura errática de fragmentos dos ensaios, deixei de lado qualquer laivo de modéstia e li, de cabo a rabo, o estudo de Prisca Agustoni, “Um corpo que oscila: performance, tradição e contemporaneidade na poética de Ricardo Aleixo” , que traça instigante paralelo entre o meu trabalho em cena e a prática dos griots africanos (“......”). Lido o ensaio inteiro, enfrentei o sono – que já rivalizava com a vontade de conferir os outros escritos – com uma busca, no Google, de informações recentes sobre o trabalho do mais conhecido griot contemporâneo, Sotigui Kouyaté, de quem sou admirador desde que assisti O céu que nos protege, de Bernardo Bertolucci, há muitos anos (pude vê-lo atuar em Belo Horizonte, no Festival Internacional de Teatro de 2004, no espetáculo Tierno Bokar, como integrante da companhia do encenador Peter Brook).
Uma leitura superficial dos links encontrados bastou para acabar com todas as alegrias de que o presente do mano Edimilson me cobrira: constatei que o senhor Kouyaté morreu no dia 17 de abril último, aos 74 anos de idade, vítima de “maladie pulmonaire”. Depois de um breve silêncio, rezei por seu espírito e continuei a busca, com o fim de me consolar com possíveis referências ao ocorrido na imprensa brasileira. Nem uma linha a respeito, o que diz muito sobre o atual estágio do jornalismo cultural por aqui. O mais estranho é que, no ano passado, Sotigui Kouyaté foi destaque na mídia de todo o mundo, em função do Urso de Prata que conquistou no Festival de Cinema de Berlim, graças a sua atuação no filme London River, dirigido pelo cineasta franco-algeriano Rachid Bouchareb.
Para quem ainda não teve qualquer contato com a obra e a visão de mundo desse malinense que se definia como um “africano de origem e cidadão do mundo” e para aqueles que, como eu, tiveram a sorte de apreciar sua grande arte enquanto ele estava vivo, sugiro que garimpem com cuidado na web, que não se decepcionarão. De saída, indico a quem se interessar dois depoimentos dele (aqui e aqui) que, por sintetizarem uma concepção da arte que a torna indissociável da vida, são pequenas joias de sabedoria e iluminação, fundamentais, portanto, nestes nossos dias de confusão e falta de perspectivas.
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