É que Brasília – aqui, em foto de Marcel Gautherot –, que completa hoje 50 anos de vida, consta, na minha história pessoal, como a cidade cuja fundação se deu no mesmo ano do meu nascimento, como a Dona Íris sempre repetia. “Você é 5 meses mais novo que Brasília” e “Você nasceu no mesmo ano que Brasília” eram frases que mexiam muito comigo. A segunda, ainda mais, porque fazia supor que uma cidade podia “nascer”, como as pessoas. Já homem feito, descobri que pode, sim – da mesma forma como acredito ser possível uma pessoa se “construir”, se “desenhar”, se “projetar”, se “planejar” (“Todos nós, seres humanos, e independentemente de estarmos ou não conscientes disso, somos co-criadores no fluir das realidades variáveis que vivemos”, afirma o biólogo-pensador chileno Humberto Maturana).
Claro está que uma cidade nasce não apenas graças à clarividência de um político raro como Juscelino Kubitschek, à criatividade sem par de homens da estirpe do arquiteto Oscar Niemeyer e do arquiteto-urbanista Lucio Costa e à exploração da força de trabalho de 60 mil “candangos”. Uma cidade só vai, de fato, nascer – e continuar a fazê-lo – se for habitada por gentes interessadas em transformar, cada vez mais, a urbs em polis. E é isso que me comove sempre que penso na outra Brasília que, como já escrevi há tempos, “existe e resiste por trás da cidade chapa-branca”. Menino, eu ainda não tinha como identificar nas fotos da cidade – que eu via, fascinado, em revistas como Manchete e O Cruzeiro – o início da preparação da minha sensibilidade para a criação artística, fato (ou mito pessoal, tanto faz) que eu só viria a compreender umas duas décadas mais tarde, quando escrevi o poema “Brasília vista de perto”, publicado no meu livro de estreia, Festim, lançado em 1992: “assepsia cabocla/ tão bauhaus/ quanto barroca”.
Há exatos 15 anos pude, enfim, conhecer a cidade – “de perto” mesmo –, nas folgas de um sem-número de atividades profissionais. Gostei bem pouco do que vi, mas aquela era a Brasília oficial, onde eu ainda não tinha amigos, só uma agenda apertada a cumprir em poucos dias. “A experiência intensiva do momento, o sentimento de pleno bem-estar no tempo que parece inconsciente do passado e do futuro [e que] faz parte de muitas, senão de todas as sensações de beleza”, conforme a bela frase do arquiteto suíço Peter Zumthor, eu só viveria, com relação a Brasília, naquele dezembro de 2005, quando, por um caprichoso arranjo dos deuses, fui contemplado com a chance de reencontrar o poeta a quem mais devo na cidade que me deu minhas primeiras lições de ritmo, forma, construção, poesia. Que Brasília, para lá da corrupção e dos bolsões de miséria, mantenha vivo o sonho do arquiteto de abrigar pessoas (ele fala em “homens”) felizes e, assim, nasça o quanto ainda precisa nascer.
2 comentários:
UM TEXTO QUE NÃO DA VONTADE DE PARAR DE LER. CONHEÇO SUA OBRA A TEMPOS E GOSTO BASTANTE. ABRAÇO.
ISAIAS
Excelente! Uma Brasilia vista por todos os ângulos
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