21.4.10

A cidade da minha idade

Na primeira vez que me apresentei em Brasília, junto com meus amigos bons Reginaldo Gontijo e Francisco K (àquela altura, dezembro de 2005, ele ainda assinava Francisco Kaq, e levou para performar conosco sua bela e talentosa filha Gabriela), senti uma enorme emoção quando, já no palco, me dei conta do significado de estar ali, na capital do País, com Augusto de Campos na plateia. Da importância de Augusto em minha vidapoesia, nem é bom falar, porque corro o risco de não mudar de assunto. Me interessa, agoraqui, é dizer que tive a chance, naquela noite, de viver a alegria de mostrar para o mais inventivo dos poetas vivos – em escala mundial, se me faço entender – algumas das boas lições que aprendi com a poesiavida dele não em qualquer outro lugar, mas em Brasília, a cidade construtivista por excelência.

É que Brasília – aqui, em foto de Marcel Gautherot –, que completa hoje 50 anos de vida, consta, na minha história pessoal, como a cidade cuja fundação se deu no mesmo ano do meu nascimento, como a Dona Íris sempre repetia. “Você é 5 meses mais novo que Brasília” e “Você nasceu no mesmo ano que Brasília” eram frases que mexiam muito comigo. A segunda, ainda mais, porque fazia supor que uma cidade podia “nascer”, como as pessoas. Já homem feito, descobri que pode, sim – da mesma forma como acredito ser possível uma pessoa se “construir”, se “desenhar”, se “projetar”, se “planejar” (“Todos nós, seres humanos, e independentemente de estarmos ou não conscientes disso, somos co-criadores no fluir das realidades variáveis que vivemos”, afirma o biólogo-pensador chileno Humberto Maturana).

Claro está que uma cidade nasce não apenas graças à clarividência de um político raro como Juscelino Kubitschek, à criatividade sem par de homens da estirpe do arquiteto Oscar Niemeyer e do arquiteto-urbanista Lucio Costa e à exploração da força de trabalho de 60 mil “candangos”. Uma cidade só vai, de fato, nascer – e continuar a fazê-lo – se for habitada por gentes interessadas em transformar, cada vez mais, a urbs em polis. E é isso que me comove sempre que penso na outra Brasília que, como já escrevi há tempos, “existe e resiste por trás da cidade chapa-branca”. Menino, eu ainda não tinha como identificar nas fotos da cidade – que eu via, fascinado, em revistas como Manchete e O Cruzeiro – o início da preparação da minha sensibilidade para a criação artística, fato (ou mito pessoal, tanto faz) que eu só viria a compreender umas duas décadas mais tarde, quando escrevi o poema “Brasília vista de perto”, publicado no meu livro de estreia, Festim, lançado em 1992: “assepsia cabocla/ tão bauhaus/ quanto barroca”.

Há exatos 15 anos pude, enfim, conhecer a cidade – “de perto” mesmo –, nas folgas de um sem-número de atividades profissionais. Gostei bem pouco do que vi, mas aquela era a Brasília oficial, onde eu ainda não tinha amigos, só uma agenda apertada a cumprir em poucos dias. “A experiência intensiva do momento, o sentimento de pleno bem-estar no tempo que parece inconsciente do passado e do futuro [e que] faz parte de muitas, senão de todas as sensações de beleza”, conforme a bela frase do arquiteto suíço Peter Zumthor, eu só viveria, com relação a Brasília, naquele dezembro de 2005, quando, por um caprichoso arranjo dos deuses, fui contemplado com a chance de reencontrar o poeta a quem mais devo na cidade que me deu minhas primeiras lições de ritmo, forma, construção, poesia. Que Brasília, para lá da corrupção e dos bolsões de miséria, mantenha vivo o sonho do arquiteto de abrigar pessoas (ele fala em “homens”) felizes e, assim, nasça o quanto ainda precisa nascer.

2 comentários:

Isaias de Faria disse...

UM TEXTO QUE NÃO DA VONTADE DE PARAR DE LER. CONHEÇO SUA OBRA A TEMPOS E GOSTO BASTANTE. ABRAÇO.
ISAIAS

Lázara papandrea disse...

Excelente! Uma Brasilia vista por todos os ângulos