17.9.09

Chinas Gerais

Reproduzo o texto abaixo com a sugestão de que procurem ler, na íntegra, a longa e bem fundamentada reportagem publicada na edição de hoje do caderno Ilustrada do jornal "Folha de S. Paulo". Vale, e muito, a pena.

Minas dá benefício a suspeito de sonegação

 Bernardo Paz, investigado por fraudes, recebeu R$ 20 milhões do governo

Governo do Estado nega que esteja beneficiando o empresário com a construção do centro de convenções em Inhotim



BRENO COSTA DA AGÊNCIA FOLHA, EM BELO HORIZONTE

MARIO CESAR CARVALHO DA REPORTAGEM LOCAL

O governo de Minas concedeu um benefício de cerca de R$ 20 milhões ao empresário e mecenas Bernardo Paz, devedor do Estado e réu numa ação judicial em que é acusado de participar de um esquema de fraudes fiscais que resultou num prejuízo de R$ 74,7 milhões ao governo mineiro.
Paz criou em 2004 o Centro de Arte Contemporânea de Inhotim, em Brumadinho (60 km de BH). É o mais importante centro cultural de arte contemporânea do país, com um acervo que inclui artistas como Hélio Oiticica (1937-1980), Cildo Meireles e Matthew Barney.
Segundo a Polícia Civil e o Ministério Público, duas siderúrgicas de Paz se beneficiaram de um esquema de sonegação de impostos. O suposto esquema envolvia empresas fantasmas, laranjas e o uso de notas falsas para pagar menos ICMS.
Ele foi indiciado pela polícia sob suspeita de formação de quadrilha e fraude fiscal. Num estágio posterior, o Ministério Público excluiu o crime de formação de quadrilha por considerar que não havia provas.
Os advogados de Paz disseram à Folha que não consideram que seu cliente seja réu, já que não lhe foi dado o direito de se defender. O empresário também é cobrado na Justiça pelo Estado de Minas por dívidas de R$ 8,2 milhões de impostos.



Negócio da China


O governo mineiro acertou com o Instituto Cultural Inhotim, que gerencia o centro e cujo conselho de administração é presidido por Bernardo Paz, a construção de um centro de convenções orçado em R$ 19,6 milhões. O prédio ficará ao lado do centro cultural.
Para isso, o instituto doou ao governo de Minas, em dezembro passado, um terreno de 25 mil m2, avaliado em R$ 20 mil. Mas a doação veio acompanhada de uma série de condicionantes -entre elas, que o governo construirá o centro e entregará a administração do espaço ao próprio Inhotim.
"É um negócio da China", afirma Maria Sylvia Zanella di Pietro, professora da Faculdade de Direito da USP e uma das maiores especialistas em direito público no Brasil.
Ela e Carlos Ari Sundfeld, professor da PUC-SP, dizem que há uma irregularidade na doação. Na interpretação dos dois, o negócio precisaria ser aprovado pela Assembleia Legislativa de Minas, como determina a Constituição do Estado, já que se trata de doação que implica gastos para o governo.
Para erguer o centro, o Estado firmou dois convênios com o Ministério do Turismo, que entra com R$ 14,6 milhões, enquanto o governo mineiro dá contrapartida de R$ 5 milhões.
O TCU (Tribunal de Contas da União), que audita recursos federais, decidiu que o centro não poderá ser administrado por uma entidade privada. O governo de Minas já entrou com recurso para que o TCU mude de posição.
Não é exatamente por falta de recursos que Paz fez o acordo com o governo Aécio. Ele é sócio de mais de 20 empresas e o maior produtor independente de ferro-gusa do país, segundo sua assessoria.
As duas siderúrgicas acusadas de fraudar o governo mineiro (Itasider e MGS) têm capital social de R$ 35,1 milhões e R$ 4,76 milhões, respectivamente. O centro cultural Inhotim vale US$ 200 milhões (R$ 365 milhões), de acordo com a assessoria de Paz.



O maior comprador

Desde que decidiu investir em arte contemporânea, nos anos 1980, Paz tornou-se o maior comprador desse mercado, posto que tomou do ex-banqueiro Edemar Cid Ferreira. 
O braço financeiro do Instituto Cultural Inhotim é uma empresa chamada Horizontes. Ela era dona do terreno onde será erguido o centro de convenções até três meses antes da doação ao Estado.
A Horizontes é controlada por uma offshore chamada Vine Hill Financial, criada nas Ilhas Virgens Britânicas, um paraíso fiscal no Caribe.
Offshore é um tipo de empresa que funciona em paraíso fiscal para pagar menos impostos e para dificultar que as autoridades saibam quem são os seus proprietários.
Foi outra empresa de fora do Brasil, a Flamingo Investment Fund, aberta nas Ilhas Cayman, que fez os maiores aportes financeiros na Horizontes.
Em menos de dois anos, a Flamingo emprestou US$ 126,4 milhões (R$ 231 milhões) à Horizontes, cujo capital é de R$ 650 mil (350 vezes menos que o valor emprestado). Dois especialistas em direito financeiro ouvidos pela Folha dizem que o dinheiro emprestado deve ser do próprio Paz.
Não dá para saber se todo esse valor foi investido em arte e no centro cultural. Se o recurso foi para comprar obras de arte, é um dos maiores investimentos privados já feitos no Brasil, similar apenas aos recursos usados para comprar a coleção do Masp, em 1947. O acervo do MAM (Museu de Arte Moderna) de São Paulo, o principal do país em arte contemporânea, é avaliado em US$ 37 milhões.




10 comentários:

Velasquez disse...

Prezado Ricardo,

acho que a matéria da folha tambem colocou as declaraçoes em defeza de Paz e do Inhotim. Não valeria a pena colocar aqui tambem?

Abraços e parabens pelo blog.

Antero Velasquez

Ricardo Aleixo disse...

Prezado Antero Velasquez,
era minha intenção reproduzir toda a matéria, o que mostrou-se inviável, devido ao pequeno espaço de que disponho no blog. Assim, optei por apenas sugerir que os leitores busquem ler a matéria na íntegra (sugestão que reforço, motivado não só por sua observação, como também pela sincera expectativa de que não exista qualquer irregularidade quanto a esse importante espaço para a arte contemporânea em Minas).
Abraço e obrigado pelo comentário.

Giovana Theuu disse...

Atenção, silêncio! Não perturbe o sono do nosso Walt Disney Mineiro.

Corajosa a atitude da Folha em explorar um assunto tão protegido e privado em todo estado de Minas Gerais.
Após uma busca detalhada, por aqui, nada consta nos jornais e nos sites que cobrem nossas montanhas.
Em suas curvas e entranhas repletas de buracos de minérios, se encontra um sonhador: Bernardo Paz no seu reino encantado.
Esse vislumbra um dia se tornar o criador do Mickey garimpeiro:
Hotel, centro de convenções, arte contemporânea, condomínio de luxo, cercado pela
pobreza e pelo descaso como mesmo apontou essa mesma Folha.
Seu sono é protegido e cuidado com a colaboração da estrutura maciça do seu amigo e fiel companheiro.
Esse não dorme nunca. Para atingir seu objetivo, não mede forças, alianças, prévias e como bom mineiro,
acolhe, oferece presentes e cuida para que o seu terreno seja livre de qualquer questionamento.
Ciente de sua popularidade nacional, seu amigo se move também pelo sonho de aterrisar no distrito federal com novo uniforme.

Por gentileza, passageiros que desembarcam em Confins com destino a Belo Horizonte,
a sua direita, se encontra outra Disneilândia do nosso digníssimo governador Aécio Neves.
Preparem suas câmeras fotográficas e boa viagem a maravilhosa fachada, mas apreciem com
moderação, o brilho demasiado ofusca nossas retinas e nos impede de "olhar" além do
espetáculo.

Luiz Carlos Garrocho disse...

Alguém viu algum jornal local tratar do assunto????

Anônimo disse...

Nem tudo está no escuro
Prazer e bom blog é pra voltar.

christina fornaciari disse...

Não seria ingenuidade enxergar na matéria da Folha simplesmente uma denúncia "politicamente correta"?

Parece-me óbvio que a matéria também tem um cunho protecionista, no sentido de que o Estado de São Paulo está efetivamente ameaçado a perder o posto de "lugar da arte contemporânea brasileira" desde que o Inhotim surgiu.

Nesse sentido, a matéria desgasta a imagem da instituição, desviando a atenção do fato de que Inhotim ocupa hoje um lugar de suma importância no cenário artístico brasileiro, senão latino americano.

É simples: que museu, galeria ou instituição paulista tem um acervo representativo como o que Minas tem em Inhotim?

Lavagem de dinheiro há e sempre houve, e em todo lugar... mas porque a denúncia foi direcionada ao Inhotim? e justamente agora?

Vamos ficar atentos às linhas de força que atuam na nossa mídia!

As eleições presidenciais estão chegando e sabe-se que o Aécio é um candidato forte, que coloca Minas numa posição ameaçadora, também politicamente, ao estado de São Paulo!

Sem querer defender Bernado Paz ou Aécio, e sem desmerecer o conteúdo de denúncia da materia, penso que ao se analisar esse tipo de jornalismo, deve-se ter em mente o fato de que toda mídia é cheia de segundas intenções...

Há, sim, uma denúncia sendo feita, mas não sejamos tão simplistas... o buraco é mais embaixo!

Abraços,
Christina Fornaciari

Ricardo Aleixo disse...

Christina, cara: lamentavelmente, o que conta é o fato de que, hoje, no Brasil, vamos - nós, os que vivemos do suor de nosso trabalho honesto - perdendo até mesmo a capacidade de perceber os contornos do "buraco" (e, consequentemente, de afirmar com tanta segurança que ele "fica mais embaixo") em que os do andar de cima nos lançaram a todos.
De resto, devo admitir, sinceramente, que não compreendi o que você quis dizer com a frase "Lavagem de dinheiro há e sempre houve, e em todo lugar". Na sua opinião, ações culturais como a do Inhotim fazem da instituição uma instância acima do bem e do mal, merecedora só de louvações (como o release, digo, a "reportagem" publicada na edição de domingo passado do "Estado de Minas") e, no limite, do silêncio omisso de toda a gene mineira? Grande abraço!

christina fornaciari disse...

Ei, Ricardo!

Antes de mais nada esclareço que não compactuo com nenhum tipo de desvio de dinheiro público ou desonestidade.

Quando menciono que "lavagem de dinheiro há e sempre houve, e em todo lugar" não estou defendendo essa prática, mas sim, estou chamando atenção para o fato de que
essa denúncia poderia (e deveria!) ter sido feita há muito tempo, inclusive por mídias mineiras. E que há diversos "inhotins" ainda escondidos, que mereceriam ser alvo de cobertura jornalística.

Mas nada disso aconteceu... A "lebre mineira" só foi levantada agora, e pela Folha de SP, e justo quando se avista o ano de eleições presidenciais.

Estou ligando os fatos, entende?

E assim, propondo uma análise da nossa mídia mesmo, de quais motivos (além dos óbvios), podem ter impulsionado a saída dessa reportagem nesse exato momento.

Não estou analisando se é correto ou não lavar dinheiro! E ao contrário do que posso ter transparecido, não considero Inhotim uma instituição acima do bem e do mal.

Mas imagino que o poder de crítica deve ser exercido amplamente, inclusive com relação aos subtextos estrategistas das matérias jornalísticas.

Um grande abraço!
Christina

Ricardo Aleixo disse...

Certo, Christina: concordo com você quanto à miríade de subtextos que se escondem sob a capa de neutralidade da mídia (brasileira?). Ainda mais em ano pré-eleitoral, não é? Você e eu já sabemos, todavia, que tudo ficará como está (em relação ao Inhotim e a qualquer iniciativa cultural que envolve grandes somas de dinheiro público), não importa o motivo por trás da reportagem da "Folha". Pessoal e quixotescamente, prefiro ver no episódio uma mínima oportunidade para criarmos um espaço público e aberto de debate cultural - esse artigo, hoje, cada vez mais raro. Um abraço!

Mauro Castro disse...

O texto integral está disponível no site Canal Contemporâneo:
http://www.canalcontemporaneo.art.br/brasa/archives/002507.html

Vale a pena conferir o comentário do crítico de arte Paulo Sergio Duarte no endereço, criticando o a matéria.