Na Fumec, todas as segundas e terças, encontro, respectivamente, as turmas de Design Sonoro I e II. Comecei, há algumas semanas, a trabalhar composição com o pessoal que teve o primeiro contato com a disciplina neste ano. A tarde de ontem seria dedicada à reestruturação de fragmentos dos primeiros 6 minutos da trilha sonora do filme Fahrenheit 451, de François Truffaut. Para introduzir a reflexão sobre “materiais”, apanhei na estante um livro de que gosto muito, Pensar a arquitetura (ed. Gustavo Gili), do arquiteto suíço Peter Zumthor.
Tendo chegado a Zumthor há cerca de 3 anos, movido, confesso, menos pelo amor à arquitetura – que não é pequeno – do que pela curiosidade trazida pelo sobrenome do arquiteto (é sabido o quanto meu interesse pelas poéticas da corp/oralidade, desde o início da década de 1990, deriva das leituras do medievalista, poeta e prosador Paul Zumthor), decidi apresentar aos estudantes, à guisa de estímulo para o trabalho ao qual se dedicariam, um fragmento de Pensar a arquitetura intitulado “Do material que é feito”.
Leiamos juntos o primeiro parágrafo: “Os trabalhos de Joseph Beuys e de alguns artistas do grupo da arte povera têm para mim algo de revelador. O que me impressiona nestas obras de arte é o emprego preciso e sensual do material. Este parece estar enraizado num saber antigo do uso dos materiais pelo homem que revela, em simultâneo, a sua verdadeira natureza para além do culturalmente transmitido”.
Feito o silêncio necessário para apreender devidamente a colocação zumthoriana, passemos ao segundo parágrafo: “No meu trabalho tento empregar os materiais de uma maneira semelhante. Penso que estes, no contexto de um objeto arquitetônico, podem assumir qualidades poéticas. Para tal efeito é necessário criar no próprio objeto uma coerência de forma e sentido; uma vez que os materiais em si não são poéticos”.
Me agrada profundamente compartilhar com os estudantes tal constatação: nenhum material é, “por natureza”, poético. Nem “musical”. “O sentido, que se deve criar no contexto dos materiais”, explica-nos Peter Zumthor, “encontra-se para além das regras de composição; e também a sensibilidade, o cheiro e a expressão acústica dos materiais são apenas elementos da linguagem que temos de utilizar. O sentido nasce quando se consegue criar no objeto arquitetônico significados específicos de certos materiais que só neste singular objeto se podem sentir desta maneira.”
Acompanhemos, agora, o quarto e último fragmento da reflexão do arquiteto: “Quando trabalhamos com este objetivo, temos sempre que voltar a perguntar, o que é que um determinado material pode significar num determinado contexto arquitetônico. Boas respostas a estas perguntas podem tornar claro, sob uma nova luz, o modo como estes materiais costumam ser utilizados e as suas próprias características sensoriais e significativas. Se o conseguirmos, os materiais na arquitetura poderão transmitir som e brilho”.
Lido o texto, promovi uma breve reflexão com os estudantes e os liberei para voltarem ao trabalho de seleção dos materiais, a partir do qual deveriam produzir uma nova peça sonora. Pela escuta dos primeiros trabalhos que me chegaram, creio que o pequeno escrito de Zumthor foi, quando nada, levado em conta.
Tendo chegado a Zumthor há cerca de 3 anos, movido, confesso, menos pelo amor à arquitetura – que não é pequeno – do que pela curiosidade trazida pelo sobrenome do arquiteto (é sabido o quanto meu interesse pelas poéticas da corp/oralidade, desde o início da década de 1990, deriva das leituras do medievalista, poeta e prosador Paul Zumthor), decidi apresentar aos estudantes, à guisa de estímulo para o trabalho ao qual se dedicariam, um fragmento de Pensar a arquitetura intitulado “Do material que é feito”.
Leiamos juntos o primeiro parágrafo: “Os trabalhos de Joseph Beuys e de alguns artistas do grupo da arte povera têm para mim algo de revelador. O que me impressiona nestas obras de arte é o emprego preciso e sensual do material. Este parece estar enraizado num saber antigo do uso dos materiais pelo homem que revela, em simultâneo, a sua verdadeira natureza para além do culturalmente transmitido”.
Feito o silêncio necessário para apreender devidamente a colocação zumthoriana, passemos ao segundo parágrafo: “No meu trabalho tento empregar os materiais de uma maneira semelhante. Penso que estes, no contexto de um objeto arquitetônico, podem assumir qualidades poéticas. Para tal efeito é necessário criar no próprio objeto uma coerência de forma e sentido; uma vez que os materiais em si não são poéticos”.
Me agrada profundamente compartilhar com os estudantes tal constatação: nenhum material é, “por natureza”, poético. Nem “musical”. “O sentido, que se deve criar no contexto dos materiais”, explica-nos Peter Zumthor, “encontra-se para além das regras de composição; e também a sensibilidade, o cheiro e a expressão acústica dos materiais são apenas elementos da linguagem que temos de utilizar. O sentido nasce quando se consegue criar no objeto arquitetônico significados específicos de certos materiais que só neste singular objeto se podem sentir desta maneira.”
Acompanhemos, agora, o quarto e último fragmento da reflexão do arquiteto: “Quando trabalhamos com este objetivo, temos sempre que voltar a perguntar, o que é que um determinado material pode significar num determinado contexto arquitetônico. Boas respostas a estas perguntas podem tornar claro, sob uma nova luz, o modo como estes materiais costumam ser utilizados e as suas próprias características sensoriais e significativas. Se o conseguirmos, os materiais na arquitetura poderão transmitir som e brilho”.
Lido o texto, promovi uma breve reflexão com os estudantes e os liberei para voltarem ao trabalho de seleção dos materiais, a partir do qual deveriam produzir uma nova peça sonora. Pela escuta dos primeiros trabalhos que me chegaram, creio que o pequeno escrito de Zumthor foi, quando nada, levado em conta.
Voltei para casa feliz, com a cabeça já ocupada por considerações de outra ordem. Agora há pouco, leio na capa da Folha de S. Paulo de ontem a notícia de que Peter Zumthor venceu a 31ª edição do Pritzker, prêmio máximo da arquitetura mundial – equivalente “a um Nobel”, como dizem os jornalistas. A manchete da “Ilustrada” recupera da dimensão de chavão a que foi lançada nas últimas décadas uma frase que define bem o ideário de Zumthor: “Menos é mais”.
Nem uma frase pode ser mais precisa para definir o trabalho desse ex-marceneiro e ex-mestre de obras que, como recorda o arquiteto Guilherme Wisnik, também na “Ilustrada” de ontem, “raramente faz maquetes ou desenhos mais ilustrativos. Contra a representação, prega a necessidade da experiência direta na relação com as coisas”. Rara voz a clamar em favor da poiesis num contexto de TOTAL rendição à mercancia, Peter Zumthor, aos 65 anos, vive recluso em Haldenstein, uma vila nos Alpes suíços cuja população não chega a mil pessoas. Menos é mais. [Na primeira foto, detalhe das Termas de Val, na Suíça, uma das mais importantes obras do arquiteto].
Um comentário:
A arquitetura e a música estão juntas porque ambas produzem espaços de puro envolvimento emocional e apreensão direta. Talvez, por isso, assim como a poesia, não se ensina arquitetura nem música. Sempre se aprende. Beleza de texto, Ricardo. Viva os ZUMTHORS do mundo inteiro! Viva o LIRA!
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