29.4.08

Aimé Césaire



Não totalmente francesa



Soam
em camadas
sob o silêncio
da noite da cidade
de Paris

A língua-fetiche
de Jeanne Duval
a “Vênus negra”
de Baudelaire
a língua
dos poemas negros
de Tzara
a língua da ilha-litania
de Aimé Césaire

A língua-balafong
de Sèdar Senghor
a língua franca
de um Orfeu Negro
ou muitos
conforme ouvida
por Jean Paul Sartre
a língua sem máscaras
brancas
de Frantz Fanon

A língua-música
sem vibrato
de Miles Davis
a língua toda sol
de Henri Salvador
a língua-sound system
do MC Solaar
a língua-exílio
de Richard Wright

a língua do canto-exílio
da Josephine Baker
figurada em fio de ferro
por Alexander Calder
a língua-duplo exílio
em terra estranha
de James Baldwin
a língua-zona de fronteira
de Patrick Chamoiseau
a língua dos três rios
que correm nas veias
de Leon-Gontran Damas
a língua errante
do caos-mundo
de Édouard Glissant

A língua da estrela
que brilhou uma só vez
de Depestre
a língua da estrela púrpura
de Rabearivelo
a língua dos pequenos
contos negros
também para crianças brancas
de Blaise Cendrars

A língua d’A Marselhesa
convertida em samba
por Clementina de Jesus
no Olympia
anterior à fadiga
de todas as línguas

A língua dos que
ninguém nunca ouve – não
totalmente francesa



N: Compus o poema acima em 2005, às vésperas de uma viagem para Paris, onde apresentei, junto com meus companheiros do Combo de Artes Afins Bananeira-ciência (DJ Rato, Tatu Guerra e Chico de Paula) o espetáculo Um ano entre os humanos. Reproduzo-o agora como homenagem à memória de um dos artistas citados nele, o antilhano Aimé Césaire, morto no último dia 17, aos 94 anos. Meu poema, que apenas cita Césaire, não tem, aqui, qualquer outra função que a de dar um toque em vocês para que se liguem na comovente homenagem prestada pelo poeta Leo Gonçalves a um dos pais fundadores do movimento poético-político denominado Negritude




Um comentário:

Milton De Biasi disse...

...implacável poema,Ricardo !
...para mim iluminador !!
Abs