Carta ao Papa*
O Confessionário não é você, oh Papa, somos nós; entenda-nos e que os católicos nos entendam.
Em nome da Pátria, em nome da Família, você promove a venda das almas, a livre trituração dos corpos.
Temos, entre nós e nossas almas, suficientes caminhos para percorrer, suficientes distâncias para que neles se interponham os seus sacerdotes e esse amontoado de doutrinas afoitas das quais se nutrem todos os castrados do liberalismo mundial.
Teu Deus católico e cristão que, como todos os demais deuses, concebeu todo o mal:
1°. Você o enfiou no bolso.
2°. Nada temos a fazer com teus cânones, índex, pecado, confessionário, padralhada, nós pensamos em outra guerra, guerra contra você, Papa, cachorro.
Aqui o espírito se confessa para o espírito.
De ponta a ponta do teu carnaval romano, o que triunfa é o ódio sobre as verdades imediatas da alma, sobre essas chamas que chegam a consumir o espírito. Não existem deus, Bíblia, Evangelho; não existem palavras que possam deter o espírito.
Nós não estamos no mundo; ó Papa confinado no mundo; nem a terra nem Deus falam de você.
O mundo é o abismo da alma, Papa caquético, Papa alheio à alma; deixe-nos nadar em nossos corpos, deixe nossas almas, não precisamos do teu facão de claridades.
[*] De autoria do francês Antonin Artaud, este petardo antipapista (publicado pela primeira vez em La Révolution Surréaliste, de 1925, e traduzido para o português pelo poeta Claudio Willer) vem a calhar neste momento em que o Vaticano dá, mundo afora, novas e alarmantes demonstrações de sua inabalável força destrutiva. Ou vocês ainda não sabem que Bento 16 teve a pachorra de, durante missa para 1 milhão de pessoas em Angola (“Folha de S. Paulo” de ontem, 23/03), investir contra o que ele chamou de “etnocentrismo e particularismo excessivos” dos africanos? De acordo com o papa, o “tribalismo” seria, junto com “a guerra e as rivalidades entre diferentes etnias", o responsável "pela pobreza e pela injustiça social na África".
Durma-se com um barulho desses: o Vaticano, há séculos, impõe seus dogmas em todos os quadrantes do mundo, faz tabula rasa da razão e dos princípios básicos do humanismo, apóia ditaduras sanguinárias, silencia diante de tragédias como a devastação do meio ambiente, retoma a prática da excomunhão, condena a camisinha como forma de combate à proliferação da Aids (Bento 16 bateu de novo nessa tecla anteontem, em Luanda) e os africanos é que são ”etnocêntricos”?
Eu, que fui comedor de hóstia na infância, e que serei eternamente grato por ter encontrado, no início dos anos 80, na ala da igreja denominada Teologia da Libertação, a dimensão dialógica a partir da qual pude dar forma e substância ao meu projeto pessoal de participação política – naquele tempo histórico específico –, só posso, diante de um criminoso como o poderoso chefão dos católicos, transformar em refrão um fragmento da carta de Antonin Artaud: “Papa, Cachorro”.
7 comentários:
Porra, sacanagem com os cães. Abraço.
Mirou no alvo e acertou em cheio.
Abraços
Cara, que coisa! Até fui atrás do jornal de ontém, não por que desacreditasse na capacidade desse papa de fazer algo assim, mas pra conferir na íntegra o texto. São um milhão de pessoas, num país que sofre com a AIDS, ouvindo um sermão contra o uso de preservativo. Isso é um verdadeiro crime. E como se não bastasse ser criminoso, é ignorante. Alguém explique a esse filho da puta que os países mais pobres da África são justamente os que foram divididos (por critérios longe de étnicos, taí a explicação sobre os conflitos tribais) pra serem explorados por potências européias. Potências que, na ocasião, impuseram justamente o que ele condena: etnocentrismo.
Bruno, Luiz Carlos, Ricardo: o que me incomoda é perceber o quanto declarações como essas do "Sebento 16" são tratadas por todo mundo como se fossem apenas demonstrações de, digamos, destempero verbal e falta de bom senso. São mais que isso: são demonstrações de força, declarações de guerra (feitas pelo chefe de um Estado, não nos esqueçamos). É gravíssimo, isso tudo. Abraços.
como assim?
Na veia, o recado do Antonin. como diria aquele narrador esportivo, "cruel, muito cruel". muito oportuna essa intervenção em cima do sacerdócio cretino de "sebento XVI" (rsrsrsr).
abração
Cândido.
Ricardo, ótimo; mas acho injustiça com os cães, que são sinceros e leais. Abração,
CD
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