13.2.15

ALÍNGUA







Dia 17 agora, terça-feira de carnaval, começa aqui no LIRA - Laboratório Interartes Ricardo Aleixo​ a segunda edição do projeto CASA / Combinado de Arte Sonora e Afins, aberto em setembro do ano passado, quando recebi, por três dias muito intensos, plenos de inventividade e boa camaradagem, o poeta& (ele joga no time da "poesia&") Reuben Da Rocha​ - um dos meus favoritos, hoje, na poesia/arte brasileira - independentemente de estilo, região de onde vem ou faixa geracional a que pertence. Sobre o trabalho desenvolvido em colaboração com Reuben, preparo um pequeno artigo que publicarei em breve no blog (www.palavrafalante.blogspot.com) que criei especialmente para tratar de temas ligados às poéticas da voz e do corpo.

Desta feita, a artista residente do CASA será a atriz e diretora Cristina Leifer​, que conheci em Salvador, no final de 2011, durante a oficina ("Palavra falante: O jogo da poesia") que ministrei por lá, no âmbito do projeto "Escritas em trânsito", promovido pela Funceb / Fundação Cultural do Estado da Bahia. Por ora, tudo que direi de Cristina é que ela voltará para a Bahia, ao fim desta etapa do nosso processo de trabalho, com seu primeiro solo em performance - o qual, sob a minha direção, resultará tanto do programa teórico-prático que desenvolvi, com base na observação da ampla gama de interesses estético-culturais da atriz, quanto das mensagens diárias que temos trocado, sempre carregadas de ideias novas, provocações e, admito, alguns delírios.

Para dizer claro, o trabalho já começou, e a foto de Cristina na cadeira de dentista ilustra bem o que digo. Foi ontem de manhã. Tendo desistido de usar, na divulgação de sua pequena temporada belorizontina, uma foto dela atuando, resolvi, de bate-pronto, que eu queria porque queria que ela fizesse e me enviasse, no prazo máximo de dez minutos, um selfie. Resposta, em meio a uma sequência de kkkkkkkk: "Acabei de sentar na cadeira da dentista". Eu não podia acreditar que o acaso estava tanto assim ao meu favor e pedi o que só um louco pede a um/a outro/a louco/a: "Por favor, faça a foto!". Recebi uma, duas, três, quatro, cada uma mais incrível que a anterior.


Optei pela que acompanha esta postagem, dado meu fascínio pelo azul (Ogum, Mallarmé, Yves Klein, o araçá que se azula pela voz de Caetano e, dizem, pela ação, em sua carne, de doses de LSD, o céu de Belo Horizonte), mas não apenas por isso: está lá, bem visível, a língua da atriz (e "Alíngua", "lalangue", neologismo cunhado por Jacques Lacan - tema da tese de doutoramento da também psicanalista Cristina - é o título da sua/nossa performance.

"Alíngua" ganhará vida a partir de uma cruza de muitas leituras da história de Kaspar Hauser (o de Werner Herzog, o de Ingmar Bergman, o de Peter Handke, o de Georg Trakl, mais, de permeio, as signagens de Bob Wilson e Joseph Beuys): tenho-a como mais uma "obra permanentemente em obras", na linha do que venho fazendo já desde 1993. O desafio, agora, é maior, porque não serão o meu corpo e a minha voz que estarão em cena, mas uma voz e um corpo que se entregarão, por alguns pares de dias e noites, a um modo de fazer e pensar que defini, tempos atrás, como o meu modo próprio, específico, peculiar de jogar o jogo linguageiro.
E mais não digo.

Querida Cristina, esta casa e eu já estamos à sua espera. "Corrijo" e acrescento palavras àquela bela frase bordada pelo Bispo do Rosário num dos seus estandartes ("Vos desejo uma excelente viagem") e digo, em alto e bom: Nos desejo uma excelente viagem: a continuidade dela. Para fazer soar nossa /sua "Alíngua".

Até já!

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