4.2.11

Édouard Glissant: 21 set 1928 – 3 fev 2011


O senhor vê uma diferença no tratamento da língua entre a poesia e a prosa?

No que concerne às nossas literaturas, no exercício da prosa os escritores acreditam muito facilmente que a descrição do real dá conta desse real. Seria mais ou menos como os pintores que pintam quadros de costumes ou de gênero: uma feira tropical ou pescadores antilhanos. Acreditam, dessa maneira, dar conta da realidade. Mas estão completamente enganados, porque ela é outra coisa que não essa aparência. Ora, a poesia até os nossos dias é a única arte que consegue realmente ir além das aparências. Penso ser esta uma das de suas vocações. É a vontade de desfazer os gêneros, essa divisão que foi tão lucrativa, tão frutuosa em termos das literaturas ocidentais. Penso que podemos escrever poemas que são ensaios, ensaios que são romances, romances que são poemas. Tentamos desfazer os gêneros precisamente porque sentimos que as funções que lhes foram atribuídas na literatura ocidental não convêm mais à nossa investigação, porque ela não abarca apenas o real, mas é também uma investigação do imaginário, das profundezas, do não-dito, das proibições. Temos que “cahoter” (“sacudir”) – utilizado aqui no sentido de uma sacudida em uma estrada – mas também no sentido de um “cahos”, daquilo que é caótico. Devemos sacudir todos esses gêneros para poder expressar o que queremos expressar. Nesse sentido, existe em nós, escritores antilhanos, forçosamente, uma ultrapassagem da convenção da prosa, mas também da convenção da poesia. A poesia pode ser sacudida pelo caos; a prosa pode ser sonhadora e cair em uma espécie de tormenta, de torneio, de embriaguez, sem deixar de ser significante. Penso que inventaremos gêneros novos dos quais não temos ainda nenhuma idéia atualmente. [Resposta do escritor antilhano Édouard Glissant a uma das questões formuladas por Lise Gauvin, em 1991. A entrevista foi incluída no excelente Introdução a uma poética da diversidade, traduzido e apresentado pela ensaísta e professora da UFJF Enilce Albergaria Rocha (Ed. UFJF, 2005)]


5 comentários:

Antonio Luceni disse...

Olá Ricardo Aleixo,

gostaria de convidá-lo a participar da coletânea Tantas Palavras... mais informações: www.antonioluceni.blogspot.com

abração

Renata Cabral disse...

Começei a ler o Glissant, em 2007, por sua causa, é bem provável que não se lembre. Estávamos tomando café (e tb o Julius) naquela casa gostosa (LIRA) e você fez um comentário sobre a obra dele que me comoveu, comprei na semana seguinte o livro Introdução a uma poética da diversidade...desde então, gosto reler alguns trechos, entre eles: "Ouvir o outro, os outros, é ampliar a dimensão espiritual de sua própria língua, ou seja, colocá-la em relação."
Valeu! Abraço. Renata

Ricardo Aleixo disse...

Olá, Antonio! Grato pelo convite, mas ando publicando demais. Abraço! Me lembro da conversa, sim, Renata. E você, o que tem feito? A "casa gostosa" (até por ser minha...rs) agora fica no Campo Alegre. Apareça quando quiser. Abraço!

Anônimo disse...

Ei, menino,

Quantas perdas...

Este texto é maravilhoso. Que "mel," ao acordar, já tropeçar numa lição de vida (encontros assim me deixam trémula).

Fico aqui me perguntando o que o Cabral acharia deste discurso...Agora, por conta da minha ignorância (bendita ignorância que gera pesquisa)terei que passar dias encontrando a conexão entre eles!

Bjs,
Simone

Ricardo Aleixo disse...

Glissant é maravilhoso, Simone. Tente ler o máximo de coisas dele que puder. Vale a pena demais. Beijo!