
27.8.08
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25.8.08
22.8.08
55 começos

Vida/arte adentro: um roteiro de errâncias
Escolho, como ambiência sonora para a escrita deste "exercício de admiração", algo tão estranho como o modo único com que Manoel Ricardo de Lima estranha os textos que leu, na condição de crítico cultural do segundo caderno do jornal O Povo, de Fortaleza, entre 1997 e 2007: as granulações entre toscas e sofisticadas da música de timbres (com direito a salivações e silêncios preparados) produzida com virtuosismo pela trumpetista e compositora berlinense Birgit Ulher – que, para não perturbar o sono das pessoas da casa, ouço nos fones, devido à hora já avançada da noite. Preciso confessar que faço-me acompanhar do som raro e difícil de Birgit para não quedar embruxado pela prosa marota de Manoel, que sabe como poucos chamar às falas a inteligência e a sensibilidade de quem o lê em suas deambulações críticas por obras alheias.
Admito também que, se convoco (convido) uma artista de outro contexto artístico e cultural para o que deveria ser, de início, uma conversa só com o piauiense-radicado-por-muitos-anos-em-Fortaleza-e-atualmente-instalado-em-Florianópolis, faço-o com o propósito deliberado de apontar o quanto o olhar desse poeta-pensador pouco ou quase nada tem a ver com as demarcações fronteiriças que, ainda hoje, servem de baliza à recepção da poesia feita no Brasil. Não que Manoel busque se situar em algum "não-lugar" entre o mundanismo literário e a academia, com o Olimpo de permeio, como fazem tantos literatos brasileiros, nada disso. A questão que ele traz diz respeito justo ao enfrentamento do lugar como problema central para o poeta contemporâneo. Daí sua propensão para estranhar os textos que lê (da mesma forma, posso dizer, como Birgit Ulher estranha o trumpete, fazendo com que o instrumento soe como um outro – sem todavia deixar de ser o que é), transformando-os em lugares desafiadoramente abertos a sucessivas explorações do olhar leitor. Daí, também – e essa é, creio, a contribuição mais significativa da atuação crítica de Manoel Ricardo até o presente –, sua declarada disposição de ler os textos que escolhe como coisas vivas, nossas contemporâneas, isto é, como problemas.
Não é à toa que o volume se abre com o elogio da atividade crítico-ensaística de Mário Faustino (1930-1962). Importa, para Manoel, frisar não a circunstância de serem ambos naturais do Piauí (ele, de Parnaíba; Faustino, como Torquato Neto, da capital do Estado, Teresina), como ocorreria a alguém de temperamento menos inquieto, mas a pertinência do projeto de vida e arte que norteou o brevíssimo estar no mundo do grande poeta-crítico. O tocante final do artigo mostra, sem subterfúgios, o quanto Manoel Ricardo toma o exemplo vivo de Mário Faustino como parâmetro ético para sua própria atividade crítica: "Escrever literatura, e sobre ela, como Mário fez é pautar lacuna serena e problematizar a cultura. Hoje, enquanto o país se arrasta por causa do enfado de alguns vários que teimam em inviabilizá-lo, ainda a falta de educação e de respeito, e que nos fazem perder uma oportunidade única de acreditar em alguém que tem boa alma, pela primeira vez, há ainda o que se produz de muito interessante em poesia, arte e pensamento. É pouco, talvez, mas se produz. O nó é quem não faz nada, e só aponta o dedo sem dizer como. Espalhar o acesso agora ao pensamento de Mário, organizado como sempre foi, em livro, é dar a mão a bater palmas: é deixar ver quem aponta o nó e tenta desatá-lo."
E porque "o nó é quem não faz nada, e só aponta o dedo sem dizer como", Manoel empenha-se em ler a circunstância-mundo como um "lugar" que o torna, em perspectiva sincrônica, conterrâneo e contemporâneo de Mário Faustino, ao mesmo tempo que lhe fornece os argumentos necessários para errar – nos dois sentidos da palavra – por conta própria. É todo um programa de "vida conversável" (lembro, aqui, o belo título de uma coletânea de escritos do filósofo português Agostinho da Silva), portanto, o que se descortina diante dos nossos olhos quando folheamos este livro sobre livros. Livros sobre livros que são, por sua vez, sobre outras infinitas conversas-livros. O poeta-leitor-crítico não nos ensina como ler tais livros, pelo contrário: estranhando-os, lendo-os no sentido bordas/centro, descobrindo e dando a ver em seus supostos centros as bordas de prováveis novos centros, Manoel só faz despertar em nós, seus leitores-interlocutores, o desejo de nos embrenharmos junto com ele livros adentro (sem esquecer as artes visuais, estranhadas em uma série de 5 textos também incluídos no volume).
Em meio ao ranço de doença que impregna o ar do mundo, Manoel Ricardo ousa puxar conversa sobre a saúde e o imperativo que é gozá-la o mais intensamente possível. E não é só: Manoel é da quase totalmente extinta raça dos que sabem que fomos providos de dois ouvidos e uma só boca para ouvirmos o dobro do que falamos. Que saibamos fazer chegar esses fios de "fala inacabada" (para lembrar, desta feita, o lindo livro que ele fez, como poeta, em parceria com a artista plástica Elida Tessler) aos debates acadêmicos, às salas de aula, às rodas literárias e a todo canto, enfim, onde a poesia e a literatura ainda façam algum sentido. Quando, como agora, iniciativas governamentais de "incentivo à leitura" são forjadas nos gabinetes sem que as vozes dos escritores consigam estabelecer pelo menos um contraponto audível aos tenebrosos dós-de-peito do mercado editorial, é fundamental que busquemos recuperar a dimensão estritamente cultural (porque vinculada à vida da coletividade, e não ao tilintar opressivo das moedas) da poesia e da literatura. E isso tem de sobra nesta intensa, comovente e essencial coleção de artigos com que Manoel Ricardo de Lima nos dá o que pensar.
Ricardo Aleixo
Prefácio do livro 55 começos,
de Manoel Ricardo de Lima
Prefácio do livro 55 começos,
de Manoel Ricardo de Lima
(Editora da Casa, 2008)
19.8.08
11.8.08
Deu no "Estado de MInas" de hoje

SEGUNDA, 11/08/2008
Bate-bola com Wisnik
Amante do esporte, o músico e ensaísta lança amanhã em BH, no projeto Sempre um papo, o livro Veneno remédio – O futebol e o Brasil e participa de conversa com o público
Janaina Cunha Melo
O músico e ensaísta José Miguel Winisk joga futebol desde os primeiros passos, na infância, e se diz despreparado para “pendurar as chuteiras”, mesmo nos momentos em que o corpo pede descanso. Com essa referência clássica de brasileiro, amante do esporte que traduz a nação na sua complexidade sociológica, política e poética, ele lança o livro Veneno remédio – O futebol e o Brasil, pela Editora Companhia das Letras. Amanhã, participa do projeto Sempre um papo, e conversa com os leitores sobre um dos fenômenos que mais traduzem o país, suas ambigüidades e contradições.
Para Wisnik, pensar a sociedade de qualquer país a partir do futebol não é o mesmo como no Brasil. “É verdade que esse é um esporte mundial, acompanhado em todos os continentes, mas a centralidade que tem para os brasileiros é algo muito próprio deste país”, afirma o pesquisador. Várias referências foram importantes para as reflexões apresentadas nas 446 páginas. Além da própria vivência como santista, música, arte, literatura, sociologia, psicanálise e inúmeros outros campos do saber o ajudaram a estabelecer nexos entre o futebol e a realidade nacional. Ele lembra que sua primeira motivação para estruturar idéias a respeito do tema ocorreu em Belo Horizonte, depois de convite do poeta mineiro Ricardo Aleixo para participar do seminário O futebol e as outras artes: relação de parentesco, realizado em 1993.
“O futebol me formou. Escrever sobre ele foi como perseguir essa experiência profunda, antiga, que é minha e também do país, como uma tentativa de entender esse fenômeno. Por isso, as referências pessoais contribuíram. Com o convite para o seminário, comecei a dar forma a essa reflexão”, comenta. Winisk explica que são muitos os aspectos envolvidos no trabalho. Afirma que o futebol deu lugar à expressão, a um povo cuja história é escravista e mestiça. O esporte inglês chegou no Brasil no fim do século 19 e se desenvolveu em meio segregado e exclusivista, mas a sua profissionalização conseguiu reverter a situação, e revelou parte escondida e relegada da sociedade brasileira, composta por negros e mestiços. “O esporte branco e elitista, como um apartheid cultural, não pôde resistir à pressão da maneira como o futebol se embrenhou na vida popular brasileira”, afirma. Enquanto a elite lidava com o jogo como entretenimento, negros e mulatos o entenderam como campo de trabalho. “A profissionalização despertou interesse da população marginalizada e reverteu a relação de classe social”, diz.
Já o auto-reconhecimento do país com o futebol se deu na Copa de 1938, quando, pela primeira vez, a Seleção Brasileira teve atuação expressiva no mundial disputado na Itália. O time perdeu o campeonato para os anfitriões, em jogo controvertido, mas provocou comoção, envolveu a torcida e consolidou a sensação de que aquele era, enfim, o esporte nacional. Gilberto Freire também deixou sua contribuição, ao afirmar que o futebol brasileiro era adoçado, curvilíneo e dançante – um contraponto ao inglês, apolíneo, linear e quadrado, segundo Winisk. Essas foram as circunstâncias que fizeram de Orlando Silva, o compositor, e Leônidas Silva, o jogador, heróis nacionais em país tardoescravista, que tentava de todas as formas negar sua condição mestiça. “Essa figura do Brasil mulato recalcado se torna decantada”.
Tudo e nada A idéia central, que dá título ao trabalho, passa pela observação de Winisk da relação entre tudo e nada do modo como os brasileiros se avaliam. “O Brasil se olha como remédio ou veneno, e isso se projeta na relação com a Seleção Brasileira, que precisa ser perfeita ou coisa nenhuma”. Ambivalência que tem muito a dizer de uma sociedade que oscila entre extremos. A formação ligada a ciências humanas do pesquisador, voltada para a crítica literária e estética, assume papel determinante nas suas análises. Texto de Pasolini foi para ele fonte de inspiração teórica e poética. Foi o ensaísta e poeta italiano quem apontou diferenciais no futebol brasileiro, e quem fez as primeiras indicações do modo como um jogo tem a linearidade da prosa e não-linearidade da poesia.
José Miguel Wisnik adianta que o livro é um estudo cultural, lida com a forma de expressão não-verbal que diz sem palavras, de modo portanto provisório, como a música. Por isso, não chega a conclusões, mas oferece conhecimento durante a “travessia” das muitas páginas, a partir de vários pontos de vista. “O desafio é falar sobre o futebol não a partir de seu entorno, como a sociologia das torcidas e o interesse que desperta. Meu enfoque está no que ocorre dentro de campo, no que mobiliza as pessoas de forma tão especial”.
Relações políticas O livro também se debruça sobre as relações políticas do esporte e redime de qualquer culpa os militantes mais convictos que em 1970 foram vencidos pela euforia da Copa do Mundo. Mesmo quem decidiu, de forma racional e coerente, não torcer pela Seleção Brasileira em protesto contra a ditadura militar e a situação de extrema gravidade por que passava o país em anos de repressão, acabou se redimindo em algum momento do campeonato. “Eles não se tornaram alienados de um momento a outro, e é justamente essa a questão que se coloca. O futebol mobilizou aspectos e conteúdos que estão para além da ditadura, que passou, e ele não. Sem minimizar essa contradição terrível, é preciso dizer que a Seleção estava em campo representando o povo brasileiro, não o governo”, argumenta.
Depois do lançamento em Belo Horizonte, o escritor visita outras capitais, para conversar com o público sobre as questões apontadas no Veneno remédio. O livro faz parte do projeto em que pretende continuar pesquisando sobre a ambivalência da representação no Brasil. Música e literatura são os próximos temas que pretende abordar na série. José Miguel Wisnik também espera se aposentar da docência ano que vem e prepara novo disco de canções.
JOSÉ MIGUEL WISNIK
Amanhã, às 19h30, na Sala Juvenal Dias do Palácio das Artes, Av. Afonso Pena, 1.537, Centro, (31) 3236-7400. Lançamento do livro Veneno Remédio – O futebol e o Brasil, dentro do projeto Sempre um papo. Entrada franca.
4.8.08
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