Minha apresentação em Madri, no último sábado, dentro da programação do festival 2011 poetas por km2, foi precedida pela do poeta e performer português Fernando Aguiar. Conhecemo-nos em Diamantina, há 5 anos, quando participamos do Festival de Inverno da UFMG. Não nos tornamos amigos ao longo desses anos, mas fiquei contente ao revê-lo em Madri. Conversamos brevemente sobre issos e aquilos – aí incluída a ordem das nossas apresentações no palco: cada um pensava que seria o primeiro a performar.
Em geral, tal questão só me ocupa a cabeça por exigir diferentes tipos de resposta a problemas de ordem técnica, uma vez que, em termos estéticos, e mesmo quanto às solicitações do ego, pouco se me dá saber quem vem antes ou depois de mim. Apesar de, assumidamente, preferir as situações em que performarei num espaço em que não haverá nenhuma outra apresentação – nem antes nem depois, para evitar a nefasta correria –, vi como um saudável desafio a necessidade de montar e desmontar tudo em escassos minutos (10 em média, para cada etapa), eu que costumo gastar, só na montagem, cerca de três horas.
Eu estava tranquilo também porque já havia tido alguns contatos – por escrito e pessoalmente, assim que cheguei a Madri -, com o coordenador técnico do festival, o gente-boa-toda-vida Jorge Alvarez, que baila comigo (vide o vídeo, alguns posts abaixo) numa improvisação vocal que fiz com base no meu poema “Linhas”. Daí o sentimento de paz a que aludi num dos posts que disparei no sábado à tarde, algumas horas antes de subir ao palco: além de ter feito uma magnífica sessão de pruebas de sonidos + vídeo + luz, alterei significamente o roteiro no quarto do hotel, devido à impossibilidade de renderizar a tempo os novos vídeos em que vim trabalhando nas semanas que precederam a viagem, os quais apresentavam as versões em espanhol de poemas meus vertidos por Adolfo Montejo Navas, Cristian de Napoli, Fernando Pérez e Teresa Arijón.
Decidi usar os dois projetores para mostrar vídeos que criei para utilização em outras performances, concentrei-me na tarefa mais delicada do dia: interferir no lindo livro que Mariana Botelho criou especialmente para a estreia da performance Pesado demais para a ventania, grafando com caneta preta, ao lado dos poemas em português, suas versões na língua/lengua de Lorca.
Detesto admitir que fui capaz de erro tão primário, mas por já ter visto Fernando Aguiar em cena eu deveria ter perguntado a ele – que de fato me precederia no palco – se constaria de seu roteiro a série de “sonetos-ações” que o vi executar em Diamantina. Foi, assim, com total surpresa, já no limite com a estupefação, que vi o performer português quebrar copos de cristal e pratos de louça no mesmo palco em que, daí a poucos minutos, eu teria que performar.
Do roteiro que concebi inicialmente fazia parte uma longa e lenta sequencia de movimentos com o poemanto. No chão. Cair, rolar de um lado a outro, passar em passos diminutos à frente do projetor, tornar a cair e a rolar pelo chão, girar sobre meu próprio eixo e de novo cair e rolar e me levantar e voltar a cair o quanto me desse na veneta.
Marcelo Sahea, a meu lado, ficou logo tenso com o que víamos, antevendo o desastre que se desenhava, o que me permitiu lançar mão de uma calma tão intensa que pensei, naquele momento único, no sentido profundo da palavra paz que eu afirmara sentir horas atrás. Esperei que limpassem o chão do palco, enquanto reorganizava mentalmente o passo a passo da performance e entre em cena disposto a atuar como se nada, nenhum problema existisse naquele momento.
Consegui, creio, evitar mal maior, mas levei um bom tempo até entender que Sahea tinha razão ao me cumprimentar efusivamente, no final, certo de que eu fizera uma boa performance ("emocionante, foi o que ele disse). Concordo com ele porque finalmente entendi o que fiz: tive que juntar ao “saber fazer” o “saber ser” – demanda dupla que, no dizer de um dos pais fundadores das poéticas da voz, o suíço Paul Zumthor (1915-1995), define o aqui agora irrepetível da performance. Em Madri, na noite de 22 de outubro, diante de dezenas de pessoas para as quais o português-brasileiro soa como iorubá arcaiaco, me vi obrigado a, em pouquíssimo tempo, para citar uma bela cantiga antiga de Gilberto Gil, “aprender a só ser”.
2 comentários:
Nada a acrescentar, senão, colar-se uma jóia à outra: "quem sabe faz a hora". Parabéns.
o tempo da delicadeza...bjs
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